sábado, 20 de fevereiro de 2010

Loucura nostálgica

Como é perfeita esta prisão que me acolhe, como são divinas as suas densas paredes cimentadas, como é encantador este fedor a sacrifício… Como é quente esta chama, já quase extinta, do meu olhar.
Esta agonia, este girar de contradições… E que doce é a demência!
Atira-me a venda, empurra-me por um assustador corredor, acorrenta-me, murmura-me vocábulos recheados de veneno… Chicoteia-me de esperanças, venda-me mais uma vez! Obriga o meu corpo a provar o sabor dos teus lábios, do teu calmo inferno!
Venda-me mais uma vez e seguir-te-ei na minha morte na vida.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Metro de Paris

Estou no metro de Paris, sentada ao lado de um cadáver adormecido e diante de duzentos rostos indecisos. Seguro uma revista nas mãos e deparo-me com um bailarico de letras que se cruzam aos meus olhos. Sinto um peso colossal na cabeça e uma suave escuridão esconde-me a paisagem.
Encontro-me sentada a um canto de um cubículo fétido, ao meu lado uma garrafa quebrada, um cinzeiro vazio e um seco cigarro que morre na minha mão… Na cabeça reproduzem-se imagens desmaiadas, e no coração flutua uma dúvida perdida.
- Está aí alguém? Olá?
As paredes do cubículo quebram! Instintivamente, ergo as mãos á cabeça, na esperança de me oferecer alguma segurança.
Encontro-me sentada sobre um pano branco. Sinto-me oca, escassa… Tal como a escassez de qualquer tipo de corpo nesta estranha dimensão. Levanto-me, e após um duro passo sinto o plano sob os meus pés escapar… Sou impulsionada para o infinito enquanto uma forte sacudidela me embala…
Avisto uma paisagem e um humilde rosto que num gesto impaciente me tenta acordar.
Estou no metro de Paris e abandono-o na próxima paragem.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Acto Pausado

São nove horas e trinta e oito minutos. Pela casa corre um leve aroma a café combinado com um ligeiro estalar das tostas quentes, cobertas de uma suave camada de manteiga. Duas doses de açúcar e o tilintar de uma colher teimosa.
Na janela, o chilrear de dois pássaros enamorados, um raio de sol soalheiro que esfarrapa a cortina.
São nove horas e quarenta e um minutos. Pela casa corre um eco agitado de um silêncio tranquilo.
Na cadeira repousa, solitário, um corpo ensonado. Na mesa dança a mão ansiosa que tenta acompanhar a correria rotatória da colher, na mesa jaz uma mão carregada de pensamentos.
São nove horas e quarenta e quatro minutos. O ruído furioso da cidade tenta provocar inveja ao silêncio, a cabeça carrega a culpa do dia anterior e do seguinte… As tostas estão a arrefecer.
São nove horas e cinquenta minutos. A chávena está quase vazia e a colher recolheu ao seu descanso. Ambos os braços se agitam no ar indignadamente, como se desafiassem o infinito. A chávena tomba e o restante café espalha-se sobre a mesa. O corpo mole ergue-se, deixando cair a cadeira…
São nove e cinquenta e dois minutos. Suspiro:
-Maldita mosca!