domingo, 20 de dezembro de 2009

dança do tempo

    É comum tentar prever o futuro. Construir uma fantasia através de modelos e sonhos, em que está presente uma bela casa, uma boa família constituída por um elegante e carinhoso marido e dois ou três filhos traquinas, um bom círculo de amigos formado pelos mais chegados de hoje e um emprego estável.

    É tudo muito bonito - e com isto quero dizer que não é nada bonito - mas o certo é que, a cada dia que passa menos confiança tenho nas minhas fantasias.
    Imagino-me daqui a 25 anos, velha, totalmente desgastada pelo tempo. Velha e sozinha! Talvez sozinha não… Mas velha e rodeada de um monte de gatos que me ocupam a casa como se fosse um hotel. Com tanta convivência com felinos, aposto que me vou tornar numa velha pulguenta e com bolas de pêlo enfiadas na garganta. Ai e que tosse comichosa elas me vão dar!
    A julgar pelo que vejo da minha vida hoje, está previsto de que vou ser uma velha solitária. Uma velha enrugada e solitária! Vou oferecer estadia aos bichanos como o Diabo oferece o Inferno!
Imagino-me sentada num velho banco de madeira pintado de azul (banco que eu mesma pintei) de caneta e papel na mão a escrever cartas a ninguém… Cartas que vou mandar pelo correio a uma morada em branco… Cartas que o carteiro me virá devolver… E cartas a que eu me vou sentir na obrigação de responder…
Vou escrever um livro que não vai ter sentido algum… Vou chamar-lhe livro porque vai ter imensas folhas, muitas delas em branco, outras com umas enormes barbaridades e umas manchas secas de café. Vou tomar chá com bolachas ao pequeno-almoço e ao lanche, e ao jantar vou comer papas de pão seco mergulhado em leite a ferver.
    Vou ser feliz na minha demência! Vou passar as tardes a contar os biscoitos dos gatos e a ignorar o cheiro a mofo da mobília apodrecida e dos sofás esgadanhados. Nas noites de lua cheia, vou abrir as portadas da varanda, vou cantar a música mais triste e vou dançar… Vou dançar sozinha!
     Um dia, vou subir ao telhado – como faço todas as noites em que sinto saudade – para contar as estrelas. Nesse dia vai estar a chover. Vou sentir a chuva lavar-me o rosto e o quanto calmante isso é. A lua vai lá estar e vai convidar-me para uma última dança, descalça, vou levantar-me, vou erguer a mão ao céu e vou dançar com a lua no telhado… A dança vai terminar com um passo escorregadio, vou abrir os braços, atirar-me de cabeça e finalmente vou ser livre… de voar!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Cartas a Ninguém

18 Dezembro de 2009




Nunca me disseram que uma coisa tão bela me viria a fazer feliz de uma forma tão baixa, que um sentimento tão doce seria como um apunhalar tão amargo que me conseguisse fazer sentir tão defunta por dentro.
Quem diria que umas palavras tontas me viriam fazer acreditar num olhar tão profundo, que um toque tão gelado me aqueceria e me confiasse tanto aconchego… Quem diria que por de trás de uma máscara tão formosa estaria uma face negra, um olhar vazio e um coração sólido…
Se a minha cegueira fosse fraca, talvez me tivesse ocorrido a existência de uma presença paralela. Mas julguei-me forte, tão forte que nunca escorregaria no abismo, mesmo que os meus pés sentissem o fim da linha, julguei-me forte, protegida por uma cegueira que crescia a cada segundo.
Todo o amante é cego e surdo, apenas sabe falar, no entanto poucas palavras moram no seu dicionário…
Esperei tempo demais…Deixei-me hipnotizar pelas tuas palavras, adormecer nos teus braços, jurar que não queria acordar nunca mais!
Sinceramente, não sei por onde começar… Pesa cada momento, desde o inicio ao fim… Apareces-te, não consigo determinar se foi numa boa ou má altura… Apareces-te!
Com um ar tão celestial, mas envolto numa escuridão tão forte… Oh se eu fosse a contar quantas vezes suspirei pelo teu olhar intenso, pelo teu toque calmo, pelos teus doces lábios, pelas tuas melodiosas palavras… Oh se eu fosse a contar quantas vezes adormeci a sonhar com os teus beijos… Se eu fosse a contar quantas vezes chorei pela tua ausência, pelas perguntas frequentes da minha cabeça, pelas tuas frases inacabadas, pelas tuas respostas inúteis…Sinto-me tão idiota!
Dediquei tanto tempo a tentar compreender, tanto tempo a acreditar… Tanto tempo te sacrifiquei meu anjo negro.
Disciplinas-te tão bem o meu coração para se converter teu escravo. Cravas-te tão bem o teu nome, abandonas-te tão inocentemente o teu cheiro no meu corpo.
Tentei ser forte, juro que tentei ser forte… Tentei resistir… Mas sou tão fraca! Tão fraca!
Acreditei tanto no meu infiel coração, acreditei tanto no teu olhar, nesse doce crime que é o teu olhar… Deixei-me arrastar pela corda, deixei que ela me desse a volta ao pescoço, que ela me amarrasse a ti…
Acreditei tanto no meu desejo que deixei que a esperança me fizesse disparar os ponteiros do relógio…
Oh sofro tanto a falta do subtil toque, das palavras murmuradas ao ouvido, dos arrepios… Sinto tanto a ausência da tua morte em mim! E que doces, quentes venenos eram beijos teus!
Sou tão adoentada por ti!
Não te culpo pelo teu aspecto imaculado e no entanto tão perturbador… Não te culpo pelo teu encanto… Apenas te acuso por permitires a permanência de uma crença inútil, consentires que eu me deparasse com uma corda que me viria a sufocar!
Tantas vezes me perguntei - Porquê? – Porquê insistir numa cegueira tão sólida? Porquê cair uma, duas, três vezes no mesmo abismo? Porquê levantar-me quando o salto já está previsto? Porquê lutar pela vida quando o veneno já começou o seu domínio? Porquê continuar com questões quando estou ciente de que nunca vou adquirir resposta?
A doença apoderou-se tanto do meu cadáver que ele já não pedia o teu amor, não necessitava tanto esforço da tua parte, apenas ler nos teus lábios um sorriso e sentir o teu corpo envolver-me era suficiente… Quantas noites fui despertada por um perfume tão violento… Quantas vezes me sentei no telhado, disposta a saltar, até que uma voz assombrosa me negava o pensamento…
Guardo cada recordação, cada palavra como se fosse um tesouro… Sim confesso, que cada gesto teu é uma ferida aberta em mim, que cada aproximação tua é uma esperança que se esfuma, que cada lágrima é o que resta do teu vírus em mim… Que cada vez que tenho coragem de pronunciar o teu nome, é mais um vestígio de saudade…
Levaste-me longe… Fizeste-me conhecer o único paraíso, o único lugar que eu ambicionei, o único lugar em que me senti viva na morte.
Há tanto, tanto para dizer… Tanto! Tanto veneno que ainda me vagueia nas veias, tanto veneno ainda por derramar…
Oh maldito fantasma, porque insistes em amaldiçoar a minha lógica, em exibires a tua aparência grotesca no meu reflexo todas as solitárias noites? Porque continuas a invadir-me os sonhos, e desapareces ao brotar da aurora?
Eu julgava-te covarde, mas não tão covarde como aparentas. Maldita cegueira!


(Há tanto para dizer… Talvez reflicta mais um pouco sobre as minhas palavras…Mas escolho continuar esta etapa doentia amanhã…)