terça-feira, 28 de julho de 2009

Coração Infiel

Esqueci onde tudo começou – ou assim pretendo crer, que o vazio das delicadas memórias não é senão a melhor companhia.
Certo! Apelidem de loucura, absurdeza…Mas a certeza é que o vício me purificou os sentidos – já senti o toque dos anjos, já ouvi os murmúrios do diabo.
Era Dezembro, – um frio e interminável Dezembro – o sangue corria em veias arrefecidas e o coração batia apenas por dever. Vivia nas ruínas do terror e nutria-me de tédio.
Recordo que esqueci onde e como tudo começou, mas mais marcante ainda, esqueci-me de o esquecer – aquele que eu idolatrava, quem hoje traço minuciosamente e que é, talvez, a recordação mais lúcida que tenho do meu passado.
A sua pele tão clara, os seus olhos que luziam como duas chamas negras, o seu cabelo, também ele negro, como as asas de um corvo, as suas lágrimas sabiam a crime, o seu toque provocava arrepios… No entanto, cada palavra era como um assalto ao meu coração.
Os dias passavam, vagarosos e cansados…Eu, matava o tempo a observá-lo, enquanto compunha os seus poemas – bonitas melodias, vocábulos que soavam como uma orquestra de violinos – Observava-o em segredo.
Os dias passavam, e a sua presença tornou-se elementar, como um fogo que me acolhia a alma – outrora perdida. Alegrava-me apenas observá-lo, mesmo que ele não notasse a minha presença. Alegrava-me ver a forma como ele estimava o silêncio.
Amava-o! Por muito que os bramidos na minha cabeça me impedissem de o admitir – Amava-o! Amava o filho do Pecado!
Os meses iam ardendo, as visitas da minha mente tornaram-se frequentes, – entravam sem solicitar permissão, acomodavam-se e faziam-se donas da decisão – as palavras dele declaravam guerra, a minha alma cegava por ele… Refugiava-me de interrogações, enquanto confiava nas suas promessas de resposta. – Promessas são feitas para serem quebradas – Inocente!
Um dia decidiu partir. Sem qualquer palavra, apenas… Partiu!
O tédio, o terror…Podia sentir a esfera de solidão novamente.
Foi num frio e interminável Dezembro que aquele que eu idolatrava, apareceu – como um assombro, um prodígio – e durante meses, tornou-se o veneno e eu, apenas o sensível que o tragou.
Esqueci-me de esquecer aquele Anjo do Inferno, aquele discípulo da tortura… Esqueci-me de matar o amante do silêncio antes dele me matar a mim.
Amaldiçoado sejas, meu coração infiel!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ópio

Nascido de ornato delicado, colhido da arena do tentador, congela a alma, pára o coração.
Oh doce veneno, devolve-me o sono onírico, oferece-me outro sonho, guia-me até á euforia. Oh amaldiçoado hábito, ata-me o espírito, converte-me teu escravo, perfura a minha mente e embala o meu desejo de morrer.
E eu… Não existo mais.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Alguém tem de morrer esta noite

Palavras são triviais, são esquecidas. Palavras são violência.
Assisto á tua dor, como quem assiste a um circo de feras e insensivelmente louva o abatimento de um coração. - Alguém tem de morrer esta noite.
Observo no teu olhar, negro de solidão, um desejo perdido de viver, um desejo quase tão escusado como as minhas tentativas de auxílio – Hoje, sou o espectador, sou a testemunha de que um dia até os Reis caiem.
Ouço o teu coração pulsar ofegante, vejo o ódio correr profundo, enquanto o teu desespero se torna apenas o fogo que faz comover a multidão.
As tuas feridas sangram nas minhas mãos, sinto-as ferver, sinto-me morrer diante deste belo espectáculo. Sinto-me congelar a cada lágrima de dor que te corre o rosto. Sinto-me inútil no meio desta bela representação do pecado.
As tuas feridas sangram nas minhas mãos, sinto-as ferver.Esta noite, sou a encarnação do demónio. Levanto-me serenamente, e num gesto fácil, limito-me, a aplaudir.